("FUMUS BONI JÚRIS")

segunda-feira, 29 de junho de 2009

O HARÉM DO BISPO - O PRESIDENTE do Paraguai

O HARÉM DO BISPO

Em abril deste ano veio a público que o presidente do Paraguai, o ex-bispo Fernando Lugo, havia se engajado num prolongado caso amoroso e era o pai de uma criança nascida dessa união. Quando a notícia se espalhou, outras mulheres se apresentaram, alegando que também tiveram prole, cuja paternidade elas atribuíram ao bispo.

Lugo evitou o terno na posse presidencial: um protesto contra o protocolo burguês

Lugo, um partidário linha-dura da Teologia da Libertação, tirou vantagem de seu prestígio eclesiástico para vencer a última eleição presidencial no Paraguai (abril 2008). Antes de começar sua campanha – de acordo com o costume do Vaticano pós-conciliar – ele foi dispensado de seus deveres episcopais a fim de não misturar as duas esferas, religiosa e temporal. Tal dispensa provisória do uso de ordens, entretanto, não implica na sua abolição porquanto o bispo tem a plenitude do poder das ordens para sempre.

A plataforma sócio-política de Lugo é categoricamente vermelha. Anticapitalista e simpatizante do marxismo, ele também canta no coro dos que pregam que a colonização espanhola da América Latina nos séculos XVI e XVII foi uma “exploração” dos índios, e não a vinda da Fé católica e a expansão do Reino de Cristo para as Américas. Sua aversão contra a Civilização Cristã vai a ponto de, ao tomar posse, se recusar a vestir terno e gravata, e aparecer com camisa sem colarinho e sandálias.

Lugo fez durante sua campanha típicas promessas esquerdistas, como lutar contra a corrupção capitalista e ajudar os pobres. Sua vitória na eleição presidencial reforçou a liga socialo-comunista de chefes de estado latino-americanos. Além de Castro em Cuba, nela se incluem Chávez na Venezuela, Morales na Bolívia, Correa no Equador, Ortega na Nicarágua, Lula no Brasil, Kirchner na Argentina, Bachelet no Chile, Tabaré no Uruguai e, desde março, Mauricio Funes em São Salvador.

O bispo de 58 anos de idade, dispensado de ordens, estava executando sua agenda progressista como chefe de estado quando Viviana Carrillo, 26 anos, ingressou com ação de reconhecimento de paternidade contra ele. Lugo encontrou Viviana quando ela tinha 16 anos, e manteve relações com ela por muitos anos. Sua filha nasceu em maio de 2007. Por razões desconhecidas.

Viviana depois desmentiu o relacionamento desde os 16 anos e pediu o arquivamento do processo judicial, mas esta declaração não convenceu nem a promotoria pública nem a juíza Evelyn Peralta, que continuaram as investigações (The Tablet, 18 de abril, 2009, p. 33).

Em um documento escrito, Viviana revelara que Lugo, quando Bispo de São Pedro, durante sua preparação para a Confirmação seduziu-a com “palavras atraentes” e “belas declarações”. Como hóspede da casa da madrinha dela na cidade de Choré, Lugo – abusando da confiança de sua hospedeira – seduziu a adolescente pela primeira vez. Um relacionamento de dez anos teve prosseguimento (UNO, Argentina, online April, 15, 2009).

Viviana em sua Confirmação. Nessa idade foi seduzida pelo bispo Lugo

Quando irrompeu o escândalo e os paraguaios se deram conta de que seu presidente esteve envolvido em uma relação pedófila com uma adolescente quando bispo, e que tinha se tornado pai de uma criança durante sua campanha para presidente, a temperatura política subiu em torno de Lugo.

A explosão da indignação pública obrigou-o a dar satisfação aos seus eleitores. Em 13 de abril, numa roda de imprensa televisionada, ele falou estas palavras não convincentes: “Eu manifesto com a minha mais absoluta honestidade, transparência e senso do dever que, com relação à polêmica desencadeada por uma ação judicial de reconhecimento de paternidade, é verdade que houve um relacionamento com Viviana Carrillo. Em face disso, eu assumo todas as responsabilidades que possam derivar desse fato, reconheço a paternidade da criança” (The Tablet, 18 de abril de 2009, p. 33).

De acordo com o jornal britânico The Guardian, e a revista brasileira Veja (online 23/24 de abril de 2009), depois que Viviana veio a público, outras duas mulheres ingressaram em juízo com processos alegando que Lugo era pai de suas crianças. Inclusive, os advogados de Benigna Leguizamon, de 26 anos, que vive da fabricação caseira de sabão, disseram que Lugo era o pai de seu filho de 6 anos de idade. Damiana Moran, uma divorciada de 39 anos de idade, disse que Lugo era o pai de seu filho de 16 meses, Juan Pablo, assim chamado em homenagem ao Papa anterior.

A agência EFE afirma que outras seis mulheres estão também preparando processos judiciais contra Lugo, todas alegando que o presidente se tornou pai de seus filhos quando era bispo (edição online de 23 de abril de 2009). El Mundo, da Espanha, recorda que durante sua campanha a oposição alegou que o bispo Lugo tinha 17 filhos, uma afirmação negada por sua irmã, hoje primeira-dama Mercedes Lugo (online, 14 de abril de 2009).

Esta segunda rodada de revelações forçou Lugo a oferecer outra explicação pública em 18 de abril. Em um pedido de perdão, ele disse: Sou uma pessoa humana, e por esta razão, nada do que é humano é alheio a mim. Quando eu peço perdão por estas circunstâncias, eu quero confirmar que minha versão [dos fatos] será sempre a verdadeira. ... Vocês verão este presidente multiplicar seus sentimentos e atenções como um pai.” (EFE, 23 de abril de 2009).

Três processos de paternidade. As mães Viviana Carrillo (e), Benigna Leguizamon e Damiana Moran (d)

A indignação pública com o caso levou alguns parlamentares a cogitar do pedido de impeachment do presidente. A agência AFP relata que o senador Alfredo Jaeggli pediu que Lugo renunciasse e deixasse o vice-presidente assumir as rédeas do governo.

Para evitar sua demissão – seu mandato termina em 2013 – Lugo e seu partido alegaram que um presidente não pode ser removido de seu cargo por razões que envolvem sua vida privada. Em seu pedido de perdão de 18 de abril, Lugo declarou: “Eu reconheço que eu contrariei a Igreja e os cidadãos. Mas a Constituição nacional protege a privacidade pessoal, tudo o que não é privado será resolvido como questão constitucional. Eu não fugirei de minhas responsabilidades presidenciais” (EFE, 23 de abril de 2009).

Os partidários políticos de Lugo estão lutando para fechar a porta ao escândalo e retornar à rotina política. O vice-presidente Federico Franco afirmou: “Ele resolverá o assunto tão rápido quanto possível e começará a governar efetiva e eficientemente.” Por sua vez, o presidente do Congresso, Enrique Gonzalez, declarou: “Espero que o presidente reconheça todos os seus filhos – se há mais – de uma vez ... e esteja apto a controlar a crise de seu governo e esclarecer todas as dúvidas.” (Veja, 24 de abril de 2009).

Se o Paraguai conservará ou não seu presidente-bispo, isto ainda é uma questão aberta. Enquanto isto, os dois novos processos judiciais estão em curso.

Em uma entrevista pelo rádio, o bispo Rogelio Ricardo Livieres Plano, de Ciudad del Este, afirmou que a Conferência Episcopal Paraguaia (CEP) tinha pleno conhecimento dos casos de paternidade envolvendo Lugo quando ele era bispo, mas encobriu o assunto. Livieres disse também que entre 2002 e 2004 o Núncio Apostólico em Assunção recebeu cartas de várias mulheres que atribuíram a Lugo a paternidade de seus filhos. E afirmou também que Lugo não tinha negado as acusações e tinha pedido sua dispensa como bispo por pressão dos líderes da Igreja no Paraguai.

A Conferência Episcopal respondeu com uma nota “lamentando” as declarações de Livieres, e negando suas alegações de encobrimento da verdade e cumplicidade (National Catholic Reporter, 01 maio 2009, p. 6).

Não obstante o recorde de depravação, bispos apresentaram Lugo como se fosse São Francisco de Assis ou Madre Teresa de Calcutá

O absurdo da situação não escapou à imprensa. O Diario Popular de Assunção afirmou: “O povo está cansado! Vamos ver se todas elas [as mães] aparecem juntas de uma vez.” Esta foi a legenda sob a foto da terceira mulher afirmando que Lugo é o pai de seu filho (Veja, 24 de abril de 2009).

Partidários do uso de preservativos estão fazendo circular uma canção com elogios líricos aos envolvimentos românticos de Lugo, mas censurando-o por não usar os preservativos.

Em tese, se os testes de DNA forem utilizados, a paternidade de Lugo poderia facilmente ser determinada em cada caso. Na prática, ele e seus aliados políticos estão interessados em evitar que tais testes sejam feitos, ou em manipular seus resultados finais.

Se os vários casos de alegada paternidade de Lugo forem comprovados, nós estaríamos diante do caso de um bispo católico que – ao mesmo tempo em que estava inteiramente no exercício de suas ordens e funções episcopais – simultaneamente tinha envolvimentos sexuais com três até dezessete diferentes mulheres. Mesmo nesta era pós Vaticano II em que nós temos assistido todo tipo de corrupção moral, Lugo estabelece um notável recorde de depravação.

Neste caso do bispo Lugo, acredito que já temos uma boa visão de raio-X do tipo de homem apresentado por importantes setores da Igreja e da mídia como “o bispo dos pobres” e como sincero adversário da corrupção.

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NOTAS DO TRADUTOR:

[1] A legislação penal paraguaia considera a relação pedófila como estupro, o que abriria caminho para o pedido de impeachment. Viviana Carrillo veio pela segunda vez a público para dizer aos jornalistas: "Não foi nenhum estupro".

[2] Monsenhor Livieres, que foi ordenado padre do Opus Dei, pertence à linha conservadora da CEP. Um blog brasiguaio relata as declarações dele sobre a Conferência Episcopal Paraguaia (CEP) e o bispo Lugo (http://sopabrasiguaia.blogspot.com):

“Chamaram-lhe a atenção duramente em seu momento, mas ele (Lugo) não é uma pessoa que encare de frente as coisas, nem que as esclareça, e responde que 'bem, é possível, poderia ser'. Ou seja: Lugo não negou. Quando se insistiu para que esclarecesse, optou por sair”, acusou Livieres.

“Não sei dizer quantas denúncias foram apresentadas, mas foram várias. A igreja tem os nomes das mulheres, mas isso obviamente não será divulgado”, acrescentou o bispo, referindo que o caso de Viviana Carrillo, por ser recente, não consta na mencionada lista.

Livieres afirmou, ainda, que chegou a propor que a infidelidade de Lugo aos preceitos da castidade fosse debatida em uma assembleia da CEP, “mas como ocorre sempre que é dito algo que não lhes agrada, houve apenas um grande silêncio”.

“Vários bispos apresentavam Lugo como se o candidato a presidente fosse São Francisco de Assis, ou Madre Teresa de Calcutá, ou seja, um sujeito decente. E eu lhes dizia: 'de onde foi que vocês tiraram que ele é decente?'”, disparou.

“A Igreja falhou ao não ter se posicionado com maior clareza, foi uma forma de encobrimento. Agora já não se pode fazer nada além de assegurar-se de que os que ficaram e os que entrarão tomarão a sério sua vocação e não chegarão ao sacerdócio ou ao episcopado sem as devidas condições”, disse.

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