("FUMUS BONI JÚRIS")

domingo, 4 de outubro de 2009

TODO MUNDO ERRA


União recorre ao STJ para não pagar R$ 10 à União



Surrealismo e insensatez.

Esse foi o diagnóstico do ministro Teori Albino Zavascki, do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar Recurso Especial ajuizado pelo Ministério Público Federal. O MPF contestava a condenação ao pagamento de R$ 10 — isso mesmo: dez reais — à União referentes a honorários advocatícios de sucumbência (aqueles devidos pela parte vencida). Considerando que o MPF é órgão da própria União, a condenação a obrigava a pagar o valor a si mesma. Se não bastasse tudo isso, o ministro constatou ainda, ao analisar o mérito da questão, que o pagamento não era devido. O ministro concedeu o recurso do MPF e afastou a condenação.
Como relator, o ministro Teori Zavascki concluiu que o produto da condenação, depois de percorrido o “tortuoso caminho” da execução contra a Fazenda Pública, sairia de um cofre para voltar ao mesmo cofre. Daí o surrealismo. Já a insensatez está, de acordo com o ministro, no tempo, trabalho e recursos públicos despendidos e em todas as instâncias judiciárias percorridas, além dos servidores públicos e autoridades de todos os níveis chamados a atuar numa controvérsia jurídica envolvendo R$10. O Recurso Especial tem um volume de115 páginas, acompanhado de nove apensos.
A decisão do ministro é individual e afasta a condenação. Ele considerou que a apelação foi apresentada dentro do prazo legal, ao contrário do que julgou a segunda instância federal. O relator também observou que o Ministério Público só pode ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios quando for comprovada atuação de má-fé, o que, no caso, sequer foi alegado.
Condenação
A decisão da Justiça Federal que condenou o MPF ao pagamento de R$10 é de maio de 2001. Na ocasião, o juiz decidiu sobre embargos (contestação) à execução do pagamento de um título judicial cujo valor discutido ficava entre R$ 1,4 mil e R$ 1, 6 mil. A sentença foi favorável à embargante, no caso a União, adotando os valores apresentados por ela e condenando o MPF ao pagamento de custas processuais e honorários no valor de R$10.
Contra a decisão, o MPF foi ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que considerou o apelo apresentado fora do prazo legal e acabou mantendo decisão anterior. Daí o novo recurso, desta vez ao STJ, que afastou a condenação.



REsp 974.309



Leia a decisão:



Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL 974.309 — DF (2007/0185306-6)
RELATOR: MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRIDO: UNIÃO
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONDENAÇÃO
DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DA UNIÃO. RECURSO PROVIDO.



DECISÃO:


1. Trata-se de recurso especial interposto em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, ao não conhecer da apelação, por intempestiva, manteve a sentença que julgou procedentes embargos à execução em Ação Civil Pública, condenando o Ministério Público, ora recorrente, ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 10 (dez reais). Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fls. 75-79). No recurso especial (fls. 87-98), o recorrente aponta ofensa aos artigos 535 e 538 do CPC e invoca divergência jurisprudencial, para sustentar a tempestividade do recurso e pedir seja afastada a condenação imposta ao Ministério Público. Em contra-razões (fls. 100-103), a recorrida pede a confirmação do acórdão.
No parecer de fls. 112-114, a Sub-Procuradoria Geral da República opina pelo provimento.



2. Não há omissão no acórdão que, com fundamentação suficiente, decidiu de modo integral a controvérsia. Não procede a alegação de intempestividade da apelação, eis que os embargos declaratórios interromperam o prazo para a interposição do recurso. Tendo em vista que o MPF tomou ciência do julgamento dos embargos em 06/12/02, o termo inicial para recorrer foi o dia 09/12/02. Tendo a apelação sido interposta em 08/01/03, foi observado o prazo (CPC, art. 508 e art. 188).



3. Conforme a jurisprudência desta Corte, em sede de ação civil pública só é cabível a condenação do Ministério Público em honorários advocatícios quando, comprovadamente, tiver atuado de má-fé (REsp 250980/SP, 2ª T., Min. João Otávio de Noronha, DJ de 06.03.2006; REsp 439599/SP, 1ª T., Min. Denise Arruda, DJ de 06.02.2006; REsp 363949/SP, 2ª T., Min. Franciulli Netto, DJ de 30.06.2004). Considerando que, na hipótese, sequer houve alegação em tal sentido, essa é razão por si só suficiente para afastar a condenação.



4. Entretanto, é indispensável acrescentar que o caso concentra surrealismo e insensatez em elevadas doses. A sentença condenou o Ministério Público Federal a pagar à União verbas sucumbenciais. Considerando que o Ministério Público condenado é órgão da União, a condenada, na verdade, foi a própria União. Ou seja: a União foi condenada a pagar a si mesma.
O produto da condenação, portanto, após percorrido o tortuoso caminho da execução contra a Fazenda Pública, sairia de um cofre para voltar ao mesmo cofre. Esse é o aspecto surrealista. E a insensatez está no seguinte: muito tempo, muito trabalho, muitos recursos públicos foram despendidos (o melhor seria dizer desperdiçados) e todas as instâncias judiciárias foram percorridas, muitos servidores públicos e autoridades — de todos os níveis, advogados públicos, procuradores e sub-procuradores da República, juízes e desembargadores federais e até o Superior Tribunal de Justiça —, foram chamados a atuar, numa controvérsia jurídica entre órgãos.
A informação disponível não será considerada para fins de contagem de prazos recursais públicos envolvendo míseros R$-10 (dez reais) de honorários.
5. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, afastando a condenação (CPC, art. 557, § 1º-A). Intime-se.
Brasília (DF), 16 de abril de 2008.
MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI