("FUMUS BONI JÚRIS")

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Garantias na Magistratura Brasileira e o quinto constitucional.

   Garantias na Magistratura


O magistrado, pela árdua e difícil função que exerce, deve ser rodeado de todas as garantias de independências, especialmente as respeito dos outros poderes do Estado. É indispensável colocar o juiz ao abrigo das ameaças e imposições e das solicitações de favores que podem comprometer a sua imparcialidade ou, de qualquer modo, sua serenidade.

É certo que a formação moral do juiz é muito importante, como fator determinante de sua conduta, conservam a independência, a respeito de tudo. Mas é imprescindível que a lei reforce a disposição moral do juiz, afinal é muito mais fácil ser independente quando temos segurança quanto à satisfação das nossas necessidades do que numa situação de carências e incertezas. Tendo em vista a necessidade de garantir que a magistratura possua meios para cumprir com o seu papel constitucional, há a previsão de prerrogativas da magistratura que são cláusulas pétreas, posto que são projeções dos direitos humanos e garantia de toda a sociedade de que o Poder Judiciário possa cumprir sua missão constitucional.

A nossa Constituição prevê expressamente no artigo 95 as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios dos magistrados.

Vitaliciedade significa que o magistrado, depois de transcorrido o período de dois anos desde sua assunção ao cargo com o correspondente exercício, somente o perderá em decorrência de sentença judicial transitada em julgado, em processo adequado onde lhe seja assegurado o direito de ampla defesa e de contraditório. A vitaliciedade não se confunde com a estabilidade comum do servidor público. A estabilidade do funcionário público, diferentemente da do juiz, é no serviço, e não no cargo.

A inamovibilidade consiste em não poder o magistrado ser removido de sua sede de atividade para outra sem o seu prévio consentimento, salvo em decorrência de incontestável interesse público, mediante voto de dois terços do tribunal, e de igual modo assegurada ampla defesa. Tal garantia abrange, inclusive, a possibilidade de recusar promoção na carreira, quando referida benesse camuflar uma manobra contra o juiz. Ou seja, uma vez titular do respectivo cargo, o juiz somente poderá ser removido ou promovido por iniciativa própria, nunca ex officio de qualquer outra autoridade.

A irredutibilidade de subsídios é a terceira garantia que a Constituição oferece ao magistrado. Com efeito, a mera hipótese de o magistrado sofrer redução em seu salário em decorrência de algum ato judicial implicaria em motivo de inibição no exercício de sua magistratura. Dessa forma, garante-se ao juiz o livre exercício de suas atribuições, sem ser alvo de pressões alheias.

Ademais, vejamos como ficou o novo texto sobre a reforma do Poder Judiciário ao final da votação do primeiro turno na Câmara dos Deputados, com relação aos direitos e garantias dos magistrados:

Caminhamos para uma reforma no Poder Judiciário, a Câmara dos Deputados encerrou em primeiro turno a votação de emendas e destaques. Embora nada esteja numa posição definitiva, pois teremos a votação em segundo turno e, depois, em dois turnos pelo Senado, as propostas estudadas e avaliadas por uma comissão especial destinada a proferir parecer com relação à emenda à Constituição n.º 96-A, de 1992 resultaram num texto bastante diferente do texto original.

"I- vitaliciedade, que no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença transitada em julgado;"

O que a reforma tenciona é uma mudança de dois para três anos de exercício para que o juiz tenha direito à vitaliciedade. Enquanto não gozar desta garantia, ele será designando como juiz substituto, podendo perder o cargo por deliberação do tribunal. Quando já for vitalício, só o perderá através de sentença transitada em julgado.

Referindo-se à inamovibilidade, a nova proposta não considera necessárias alterações, permanecendo, então, como está disposto no artigo 95, II, da Constituição Federal:

"inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do artigo 93, VIII":

" o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto de dois terços do respectivo tribunal, assegurada ampla defesa."

Sabendo o juiz ter a garantia da inamovibilidade, ele pode atuar sem receio de ser removido, caso tenha desagradado alguma das partes.

A garantia que causou muitas discussões foi a da irredutibilidade de subsídio:

"III- irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos artigos 37, X e XI; 39, § 4º; 150, II; 153, III e 153, § 2º, 1".

A mudança estaria no acréscimo ao artigo 95, III, do seguinte texto:

"... e a suspensão no caso de descumprimento injustificado dos prazos processuais da lei (N.R.)"

O texto acima propõe a suspensão de subsídio a magistrados por descumprimento de prazos processuais. Com o volume de casos que há no Brasil... além disto, o magistrado é um trabalhador. Vai trabalhar e deixar de receber?

Segundo o artigo 99 da Constituição Federal:

"Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira."

Neste artigo também contamos com uma garantia constitucional que nunca foi aplicada, uma vez que é o Poder Executivo que repassa a verba orçamentária para o Judiciário. Seria preciso uma efetiva autonomia financeira, a fim de que o próprio Poder aplicasse os recursos como melhor lhe conviesse. Bom seria se o Senado deliberasse a verba diretamente para o Judiciário, pois ninguém melhor do que ele sabe o que está necessitando.

Alguns pontos merecem séria reflexão, pois parecem mais uma violação constitucional aos direitos e garantias do magistrado.

Pensar em dividir com outros setores públicos a administração do Judiciário seria um retrocesso, além de ferir a independência deste Poder, como deliberam os artigos 2º e 60 da Constituição Federal. Sem contar o fato do Judiciário sofrer controle na escolha e investidura de altos magistrados dos Tribunais Superiores que são escolhidos pelo chefe do Executivo. No que tange a parte judicial como função, não seria preciso uma maior fiscalização , pois o juiz está sempre cercado por membros que observam de perto seu trabalho: o promotor e o advogado.

Quanto se fala na morosidade da Justiça! E não há como melhorar se não forem feitas algumas reformas pontuais no que se refere ao sistema recursal. Mas ao contrário disto, o que se pretende é que recursos devolutivos tenham efeito suspensivo, ampliando as possibilidades de recursos com base na sustentação oral.

A aprovação da súmula vinculante, que dá nova redação ao artigo 103-A, torna obrigatória o cumprimento das decisões de Tribunais Superiores em instâncias inferiores. Esta aprovação pode agilizar o andamento dos processos uma vez que já está pronta a sentença a ser dada pelo magistrada.

Segundo o parecer de Miguel Reale Júnior, a lei que visa à definição de crimes de responsabilidade dos magistrados, acrescenta novas figuras que "afrontam diretamente a independência e a autonomia do Poder Judiciário"

Vejamos ainda a questão do quinto constitucional:

Quinto constitucional é o mecanismo que confere vinte por cento dos assentos existentes nos tribunais aos advogados e promotores, conforme dispõe o artigo 94 da Constituição Federal; portanto, uma de cada cinco vagas nas Cortes de Justiça é reservada para profissionais que não se submetem a concurso público de provas e títulos. A Ordem dos Advogados ou o Ministério Público, livremente, formam uma lista sêxtupla de candidatos e a remetem aos tribunais; estes, por sua vez, selecionam três, encaminhando esta relação ao Executivo que nomeia um destes indicados. Este procedimento é suficiente para o advogado ou o promotor deixar suas atividades e iniciar nova carreira, não na condição de juiz de primeiro grau, início da carreira, mas já como desembargador ou ministro, degrau mais alto da magistratura.

O quinto constitucional, idéia corporativista do governo Getúlio Vargas, foi, pela primeira vez, inserido na Constituição de 1934, § 6º, art. 104, que dizia:

"Na composição dos tribunais superiores, serão reservados lugares, correspondentes a um quinto do número total, para que sejam preenchidos por advogados, ou membros do Ministério Público, de notório merecimento e reputação ilibada, escolhidos de lista tríplice, organizada na forma do § 3º". (sic).

Muitos dizem que o chamado "quinto constitucional", previsto no artigo 94 da Constituição Federal, teria como objetivo levar para os Tribunais a experiência profissional e a visão ampliada e de certa forma mais amadurecida de advogados e membros do Ministério Público, os quais dessa maneira estariam colaborando para que os julgamentos nas instâncias superiores fossem mais democráticos. Assim, a Ordem dos Advogados e o Ministério Público indicam os seus candidatos para o "quinto" , formando uma lista sêxtupla que adota como um dos critérios de escolha um requisito de difícil ou discutível aferição, que é o do "notório saber jurídico", requisito esse que pode dar margem a indicações baseadas em subjetivismos sujeitos a interferências que não favorecem o mérito.

Apesar da aparente "democratização" ou "arejamento" dos Tribunais, a elaboração de listas sêxtuplas acaba por sujeitar os indicados a constrangedores pedidos de apoio, seja a Conselheiros das Seções da Ordem dos Advogados, seja a integrantes do Ministério Público, o que viabiliza a interferência de interesses ou sentimentos pessoais que em nada enriquecem o sistema de escolha.

Ao submeter a lista sêxtupla ao crivo do próprio Tribunal de que o candidato deseja fazer parte, possibilita-se verdadeira submissão da Advocacia e do Ministério Público ao Poder Judiciário, o que prejudica a liberdade e a autonomia dessas instituições, em evidente prejuízo do interesse maior da Justiça.

Da forma como atualmente existe, a instituição do "quinto" possibilita interferências políticas ou de outra espécie, com o que os indicados podem se ver obrigados ou comprometidos a retribuir tais interferências, com evidente prejuízo para uma Justiça verdadeiramente democrática, transparente e adequada aos tempos de modernidade em que vivemos.

Todavia, não parece justo que advogados e membros do Ministério Público devam se submeter ao constrangimento de pedir votos ou apoios a seus colegas para que possam ocupar cargos nos Tribunais superiores. E o que é pior: que essas pessoas, profissionais de ilibada reputação e reconhecido saber jurídico tenham de se submeter a humilhantes e desgastantes "campanhas", envolvendo até membros do Legislativo, como se tais cargos pudessem resultar de algum tipo de "negociação" política, no seu aspecto mais negativo.



segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O CORRETO É PRESIDENTE ?

A ULA DE PORTUGUÊS : O CORRETO É PRESIDENT E OU "PRESIDENTA  ?


Tenho notado, assim como aqueles mais atentos também devem tê-lo feito, que a preisente Dilma Roussef e seus apoiadores, pretendem que ela venha a ser a primeira presidenta do Brasil, tal como atesta toda a propaganda política veiculada pelo PT na mídia.

Presidenta?
Mas, afinal, que palavra é essa?

Bem, vejamos:

No português existem os particípios ativos como derivativos verbais.

Por exemplo: o particípio ativo do verbo atacar é atacante, de pedir é pedinte, o de cantar é cantante, o de existir é existente, o de mendicar é mendicante...

Qual é o particípio ativo do verbo ser? O particípio ativo do verbo ser é ente.

Aquele que é: o ente.

Aquele que tem entidade.

Assim, quando queremos designar alguém com capacidade para exercer a ação que expressa um verbo, há que se adicionar à raiz verbal os sufixos ante, ente ou inte.

Portanto, a pessoa que preside é "PRESIDENTE", e não "Presidenta", independentemente do gênero, masculino ou feminino.

Se diz capela ardente, e nãocapela "ardenta"; se diz estudante, e não "estudanta"; se diz adolescente, e não "adolescenta"; se diz paciente, e não "pacienta".

Um exemplo (negativo) seria:

"A presiden a se comporta como uma adolescenta pouco pacient a que imagina ter virado elegant a para tentar ser nomeada representant a. Esperamos vê-la algum dia sorrident a numa capela ardent a, pois esta dirigent a política, dentre suas tantas outras atitudes alienant as, não tem o direito de violentar o pobre português, só para ficar content a."

Absolutamente correto! Está mais do que na hora de restabelecermos A LEITURA E A FALA CORRETAS DE NOSSO IDIOMA - o PORTUGUÊS (falado no Brasil) e não mais o churrasquês, o futibolês e outros dialetos de triste e recente memória, infelizmente aplaudidíssimos pelos 80% dos patrícios que vibravam com as bobagens oficializadas e incensadas pela massa de áulicos (áulico: cortesão, palaciano ) e puxa-sacos dos "cumpanhêru" de igual (?) nível moral e intelectual...






sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Todos os policiais militares conquistaram o direito de se aposentarem, com proventos integrais, aos 25 anos de serviços prestados à Polícia Militar.

STF reconhece o direito de policiais militares se aposentarem aos 25 anos de serviço com a aposentadoria integral.


Todos os policiais militares conquistaram o direito de se aposentarem, com proventos integrais, aos 25 anos de serviços prestados à Polícia Militar. Esse é o novo entendimento dos Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Justiça de São Paulo. Tais entendimentos foram emitidos em sede de Mandado de Injunção, que é uma ação movida quando não existe uma lei que trate de algum direito constitucional.

De fato, a aposentadoria especial por periculosidade está prevista no Art. 40, § 4º da Constituição Federal de 1988, e até o presente momento, o Governo do Estado nada fez para editar lei que regulamente tal direito. Dessa forma, os Desembargadores reconheceram que a atividade policial militar é de fato de alta periculosidade, e por isso, determinaram que a lei aplicável ao Regime Geral de Previdência (Lei 8213) seja agora aplicável ao policial militar, em face da demora do legislador paulista. Com isso, os Tribunais demonstram cada vez mais a nova visão no sentido de que cabe ao Poder judiciário legislar positivamente, em face da demora do Poder Legislativo, considerando o interesse público.

O melhor de tudo é que Judicário reconheceu que tais decisões são "erga omnes", ou seja, se aplicam a todos os demais integrantes da carreira policial (civil ou militar), e tal aposentadoria DEVE SER REQUERIDA NA VIA ADMINISTRATIVA AO COMANDANTE IMEDIATAMENTE SUPERIOR, requerimento este que não pode ser negado, pois do contrário, haverá flagrante desobediência à ordem judicial da via madamental.

Esperemos agora que as instituições viabilizem o mais rápido possível a concretização de tais direitos, de forma que o policial militar rapidamente concretize seus direitos de aposentadoria (sem óbices administrativos) Polícia Militar e Polícia Civil festejam a conquista. Com isso, vê-se que o Poder Judiciário concedeu uma grande valorização da carreira policial, que de fato, é altamente periculosa.

Stf mandado de injunção 755 aposentadoria especial para policiais – Document Transcript

DECISÃO: Trata-se de Mandado de Injunção coletivo, com pedido de medida cautelar, impetrado pela Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo – ADPESP.

2. A impetrante alega que os associados são servidores públicos que exercem ou exerceram suas funções em ambientes insalubres, perigosos, e/ou penosos.

3. Afirma no mandado de injunção que a ausência da lei complementar referida no artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil – [é] vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar – torna inviável o exercício de direito à aposentadoria especial, do qual os associados são titulares.

4. Em decisão de fl. 91 neguei, com respaldo na jurisprudência, o pedido de medida cautelar, vez que o mandado de injunção é incompatível com a concessão de liminares. Determinei ainda fossem solicitadas informações ao Presidente da República.

5. O Procurador-Geral da República, afirmando que a hipótese destes autos é idêntica à do MI n. 758, opina pela procedência parcial do pleito. Alega que deve ser reconhecido o direito, dos associados, a ter suas situações analisadas pela autoridade competente à luz da Lei n. 8.213/91, no que se refere especificamente ao pedido de concessão da aposentadoria especial prevista no artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil.

6. É o relatório. Decido.

7. Neste mandado de injunção a impetrante sustenta que a ausência da lei complementar prevista no artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil torna inviável o exercício de direito à aposentadoria especial, de que os associados neste mandado de injunção são titulares.

8. Reproduzo inicialmente observações do Ministro CELSO DE MELLO no MI n.20: “[e]ssa situação de inércia do aparelho de Estado faz emergir, em favor do beneficiário do comando constitucional, o direito de exigir uma atividade estatal devida pelo Poder Público, em ordem a evitar que a abstenção voluntária do Estado frustre, a partir desse comportamento omissivo, a aplicabilidade e a efetividade do direito que lhe foi reconhecido pelo próprio texto da Lei Fundamental. O Poder Legislativo, nesse contexto, está vinculado institucionalmente à concretização da atividade governamental que lhe foi imposta pela Constituição, ainda que o efetivo desempenho dessa incumbência constitucional não esteja sujeito a prazos pré-fixados” [fl. 129].

9. Esta Corte mais de uma vez reconheceu a omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concreção ao preceito constitucional. Nesse sentido valho-me ainda de afirmação do Ministro CELSO DE MELLO, como segue: “Desse modo, a inexistência da lei complementar reclamada pela Constituição reflete, forma veemente e concreta, a inobservância, pelo Poder Legislativo, dentro do contexto temporal referido, do seu dever de editar o ato legislativo em questão, com evidente desapreço pelo comando constitucional, frustrando, dessa maneira, a necessidade de regulamentar o texto da Lei Maior, o que demonstra a legitimidade do reconhecimento, por esta Suprema Corte, da omissão congressual apontada” [fl. 131].

10. No julgamento do MI n. 721, Relator o Ministro MARCO AURÉLIO, DJ de 30.11.2007, o STF examinou esta questão, julgando parcialmente procedente o pedido para assegurar à impetrante o direito à aposentadoria especial [artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil], direito a ser exercido nos termos do texto do artigo 57 1 da Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1.991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Proferi voto-vista quanto ao MI n. 721, acompanhando o Relator.

11. O entendimento foi reafirmado na ocasião do julgamento do MI n. 758, também de relatoria do Ministro MARCO AURÉLIO, DJ de 26.9.2008. “MANDADO DE INJUNÇÃO – NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. MANDADO DE INJUNÇÃO – DECISÃO – BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA – TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS – 2

PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR – INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR – ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral – artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91”.

12. Havendo, portanto, sem qualquer dúvida, mora legislativa na regulamentação do preceito veiculado pelo artigo 40, § 4º, a questão que se coloca é a seguinte: presta-se, esta Corte, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia?

13. Esta é a questão fundamental a considerarmos. Já não se trata de saber se o texto normativo de que se cuida – Artigo 40, § 4º – é dotado de eficácia. Importa verificarmos é se o Supremo Tribunal Federal emite decisões ineficazes; decisões que se bastam em solicitar ao Poder Legislativo que cumpra o seu dever, inutilmente. Se é admissível o entendimento segundo o qual, nas palavras do Ministro NÉRI DA SILVEIRA, "a Suprema Corte do País decid[e] sem que seu julgado tenha eficácia". Ou, alternativamente, se o Supremo Tribunal Federal deve emitir decisões que efetivamente surtam efeito, no sentido de suprir aquela omissão. Daí porque passo a desenvolver considerações a propósito do instituto do mandado de injunção.

14. Toda a exposição que segue neste apartado do meu voto é extraída de justificativa de autoria do Professor JOSÉ IGNÁCIO BOTELHO DE MESQUITA a anteprojeto de lei por ele elaborado, que foi publicado inicialmente no jornal O Estado de São Paulo, de 26 de agosto de 1.989, e, posteriormente, foi convertido no Projeto de Lei n. 4.679, de 1.990, que o repetiu na íntegra, inclusive a sua justificativa [Diário do Congresso Nacional de 17.04.1990, página 2.824 e segs.].

15. Diz o eminente Professor Titular da Faculdade de Direito da USP: "1. É princípio assente em nosso direito positivo que, não havendo norma legal ou sendo omissa a norma existente, cumprirá ao juiz decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito (Lei de Introdução ao Cód. Civil, art. 4º; Cód. Proc. Civil, art. 126). Assim, o que pode tornar inviável o exercício de algum direito, liberdade ou prerrogativa constitucionalmente assegurados não será nunca a 'falta de norma regulamentadora' mas, sim, a existência de alguma regra ou princípio que proíba ao juiz recorrer à analogia, aos costumes ou aos princípios de direito para suprir a falta de norma regulamentadora. Havendo tal proibição, configura-se a hipótese de impossibilidade jurídica do pedido, diante da qual o juiz é obrigado a extinguir o processo sem julgamento de mérito (Cód. Proc. Civil, art. 267, VI), o que tornará inviável o exercício do direito, liberdade ou prerrogativa assegurados pela Constituição. O caso, pois, em que cabe o mandado de injunção é exatamente o oposto daquele em que cabe o mandado de segurança. Vale dizer, é o caso em que o requerente não tem direito de pretender a tutela jurisdicional e em que requerido teria o direito líquido e certo de resistir a essa pretensão, se acaso fosse ela deduzida em Juízo. Esta constatação –prossegue BOTELHO DE MESQUITA --- é de primordial importância para o conhecimento da natureza e dos fins do mandado de injunção. Dela deriva a determinação dos casos em que se pode admitir o mandado de injunção e também dos objetivos que, por meio dele, podem ser alcançados". O mandado de injunção "[d]estina-se, apenas, à remoção do obstáculo criado pela omissão do poder competente para a norma regulamentadora. A remoção desse obstáculo se realiza mediante a formação supletiva da norma regulamentadora faltante. É este o resultado prático que se pode esperar do julgamento do mandado de injunção. A intervenção supletiva do Poder Judiciário deve subordinar- se, porém, ao princípio da independência e da harmonia entre os Poderes (CB, art. 2º). A autorização constitucional para a formação de normas supletivas não importa permissão ao Poder Judiciário para imiscuir-se indiscriminadamente no que é da competência dos demais Poderes. Trata-se apenas de dar remédio para omissão do poder competente. Para que tal omissão se configure, é preciso que norma regulamentadora não tenha sido elaborada e posta em vigor no prazo constitucional ou legalmente estabelecido, quando houver, ou na sua falta, no prazo que o tribunal competente entenda razoável. Antes de decorrido tal prazo não há que falar em omissão do poder competente, eis que a demora se incluirá dentro da previsão constitucional e assim também a provisória impossibilidade do exercício dos direitos, liberdades ou prerrogativas garantidos pelo preceito ainda não regulamentado. O que é danoso para os direitos, liberdades e prerrogativas constitucionais não é a demora, em si mesma considerada, mas a demora incompatível com o que se possa ter como previsto e programado pela Constituição. [...] O cabimento do mandado de injunção pressupõe, por isto, um ato de resistência ao cumprimento do dispositivo constitucional, que não tenha outro fundamento senão a falta de norma regulamentadora. [...] O conteúdo e os efeitos da decisão que julga o mandado de injunção, e bem assim os efeitos do seu trânsito em julgado, devem ser estabelecidos a partir de uma clara determinação do escopo do mandado de injunção exatamente o que falta no texto constitucional. Pelo que do dispositivo constitucional consta, sabe-se quando cabe o mandado de injunção, mas não se sabe para o que serve; sabe-se qual o problema prático que visa a resolver, mas não se sabe como deverá ser resolvido. [...] O que cabe ao órgão da jurisdição não é, pois constranger alguém a dar cumprimento ao preceito constitucional, mas, sim, suprir a falta de norma regulamentadora, criando, a partir daí, uma coação da mesma natureza daquela que estaria contida na norma regulamentadora. O ilícito constitucional (o ato anticonstitucional) é algo que só poderá existir depois de julgado procedente o mandado de injunção e, por isto, não constitui matéria que possa ser objeto de decisão no julgamento do próprio mandado. Fixados estes limites desponta o problema da compreensão da hipótese da norma que será supletivamente formulada pelo tribunal. Deverá ela regular apenas o caso concreto submetido ao tribunal, ou abranger a totalidade dos casos constituídos pelos mesmos elementos objetivos, embora entre sujeitos diferentes? Dentre essas alternativas, é de se optar pela última, posto que atividade normativa é dominada pelo princípio da isonomia, que exclui a possibilidade de se criarem tantas normas regulamentadoras diferentes quantos sejam os casos concretos submetidos ao mesmo preceito constitucional. Também aqui é preciso ter presente que não cumpre ao tribunal remover um obstáculo que só diga respeito ao caso concreto, m as a todos os casos constituídos pelos mesmos elementos objetivos".

16. A mora, no caso, é evidente. Trata-se, nitidamente, de mora incompatível com o previsto pela Constituição do Brasil no seu artigo 40, § 4º.

17. Salvo a hipótese de – como observei anteriormente2, lembrando FERNANDO PESSOA – transformarmos a Constituição em papel "pintado com tinta" e aplicá-la em "uma coisa em que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma", constitui dever-poder deste Tribunal a formação supletiva, no caso, da norma regulamentadora faltante.

18. O argumento de que a Corte estaria então a legislar – o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] – é insubsistente.

19. Pois é certo que este Tribunal exercerá, ao formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o artigo 40, § 4º, da Constituição, fu nção normativa, porém não legislativa.

20. Explico-me.

21. A classificação mais freqüentemente adotada das funções estatais concerne aos ofícios ou às autoridades que as exercem. Trata-se da classificação que se denomina orgânica ou institucional. Tais funções são, segundo ela, a legislativa, a executiva e a jurisdicional. Se, porém, pretendermos classificá-las segundo o critério material, teremos: a função normativa – de produção das normas jurídicas [= textos normativos]; a função administrativa – de execução das normas jurídicas; a função jurisdicional – de aplicação das normas jurídicas.

22. Na menção aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário estamos a referir centros ativos de funções – da função legislativa, da função executiva e da função jurisdicional. Essa classificação de funções estatais decorre da aplicação de um critério subjetivo; estão elas assim alinhadas não em razão da consideração de seus aspectos materiais.

23. Entenda-se por função estatal a expressão do poder estatal – tomando-se aqui a expressão “poder estatal” no seu aspecto material – enquanto preordenado a finalidades de interesse coletivo e objeto de um dever jurídico.

24. A consideração do poder estatal desde esse aspecto liberta-nos da tradicional classificação das funções estatais segundo o critério orgânico ou institucional. Nesta última, porque o poder estatal é visualizado desde a perspectiva subjetiva, alinham-se a função legislativa, a executiva e a jurisdicional, às quais são vocacionados, respectivamente, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

25. Afastado, contudo o critério tradicional de classificação das funções estatais, cumpre fixarmo-nos naquele outro, que conduz à seguinte enunciação: [i] função normativa – de produção das normas jurídicas [= textos normativos]; [ii] função administrativa – de execução das normas jurídicas; [iii] função jurisdicional – de aplicação das normas jurídicas.

26. A função legislativa é maior e menor do que a função normativa. Maior porque abrange a produção de atos administrativos sob a forma de leis [lei apenas em sentido formal, lei que não é norma, entendidas essas como preceito primário que se integra no ordenamento jurídico inovando-o]; menor porque a função normativa abrange não apenas normas jurídicas contidas em lei, mas também nos regimentos editados pelo Poder Judiciário e nos regulamentos expedidos pelo Poder Executivo.

27. Daí que a função normativa compreende a função legislativa [enquanto produção de textos normativos], a função regimental e a função regulamentar.

28. Quanto à regimental, não é a única atribuída, como dever- poder, ao Poder Judiciário, visto incumbir-lhe também, e por imposição da Constituição, a de formular supletivamente, nas hipóteses de concessão do mandado de injunção, a norma regulamentadora reclamada. Aqui o Judiciário – na dicção de JOSÉ IGNÁCIO BOTELHO DE MESQUITA – remove o obstáculo criado pela omissão do poder competente para editar a norma regulamentadora faltante, essa remoção realizando-se mediante a sua formulação supletiva.

29. De resto, é ainda certo que, no caso de concessão do mandado de injunção, o Poder Judiciário formula a própria norma aplicável ao caso, embora ela atue como novo texto normativo.

30 Apenas para explicitar, lembro que texto e norma não se identificam3. O que em verdade se interpreta são os textos normativos; da interpretação dos textos resultam as normas. A norma é a interpretação do texto normativo. A interpretação é atividade que se presta a transformar textos – disposições, preceitos, enunciados – em normas.

31. O Poder Judiciário, no mandado de injunção, produz norma. Interpreta o direito, na sua totalidade, para produzir a norma de decisão aplicável à omissão. É inevitável, porém, no caso, seja essa norma tomada como texto normativo que se incorpora ao ordenamento jurídico, a ser interpretado/aplicado. Dá-se, aqui, algo semelhante ao que se há de passar com a súmula vinculante, que, editada, atuará como texto normativo a ser interpretado/aplicado.

32. Ademais, não há que falar em agressão à "separação dos poderes", mesmo porque é a Constituição que institui o mandado de injunção e não existe uma assim chamada "separação dos poderes" provinda do direito natural. Ela existe, na Constituição do Brasil, tal como nela definida. Nada mais. No Brasil vale, em matéria de independência e harmonia entre os poderes e de “separação dos poderes”, o que está escrito na Constituição, não esta ou aquela doutrina em geral mal digerida por quem não leu Montesquieu no original.

33. De resto, o Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora faltante. Note-se bem que não se trata de simples poder, mas de dever-poder, idéia já formulada por JEAN DOMAT4 no final do século XVII, após retomada por LEÓN DUGUIT5 e, entre nós, por RUI BARBOSA, mais recentemente por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO.

34. A este Tribunal incumbirá – permito-me repetir – se concedida a injunção, remover o obstáculo decorrente da omissão, definindo a norma adequada à regulação do caso concreto, norma enunciada como texto normativo, logo sujeito a interpretação pelo seu aplicador.

35. No caso, os impetrantes solicitam seja julgada procedente a ação e, declarada a omissão do Poder Legislativo, determinada a supressão da lacuna legislativa mediante a regulamentação do artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil, que dispõe a propósito da aposentadoria especial de servidores públicos – substituídos.

36. Esses parâmetros hão de ser definidos por esta Corte de modo abstrato e geral, para regular todos os casos análogos, visto que norma jurídica é o preceito, abstrato, genérico e inovador – tendente a regular o comportamento social de sujeitos associados – que se integra no ordenamento jurídico8 e não se dá norma para um só.

37. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia a norma regulamentadora que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito da impetrante, servidora pública, à aposentadoria especial.

38. Na Sessão do dia 15 de abril passado, seguindo a nova orientação jurisprudencial, o Tribunal julgou procedente pedido formulado no MI n. 795, Relatora a Ministra CÁRMEN LÚCIA, reconhecendo a mora legislativa. Decidiu-se no sentido de suprir a falta da norma regulamentadora disposta no artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil, aplicando-se à hipótese, no que couber, disposto no artigo 57 da Lei n. 8.213/91, atendidos os requisitos legais. Foram citados, no julgamento, nesse mesmo sentido, os seguintes precedentes: o MI n. 670, DJE de 31.10.08, o MI n. 708, DJE de 31.10.08; o MI n. 712, DJE de 31.10. 08, e o MI n. 715, DJU de 4.3.05.

39. Na ocasião, o Tribunal, analisando questão de ordem, entendeu ser possível aos relatores o exame monocrático dos mandados de injunção cujo objeto seja a ausência da lei complementar referida no artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil. Julgo parcialmente procedente o pedido deste mandado de injunção, para, reconhecendo a falta de norma regulamentadora do direito à aposentadoria especial dos servidores públicos, remover o obstáculo criado por essa omissão e, supletivamente, tornar viável o exercício, pelos associados neste mandado de injunção, do direito consagrado no artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil, nos termos do artigo 57 da Lei n. 8.213/91.

Publique-se.

Brasília, 12 de maio de 2009. Ministro Eros Grau – Relator – ____________________________

1 Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995) § 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).

2 Direito, conceitos e normas jurídicas, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.988, p. 124.

3 Vide meu Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, 5ª edição, Malheiros Editores, 2009, pp. 84 e ss.

4 Oeuvres de J. DOMAT, Paris, Firmin Didot Père et Fils, 1.829, p. 362 e ss.

5 El pragmatismo juridico, Madrid, Francisco Beltrán, 1.924, p. 111.

6 Comentários à Constituição Federal Brasileira, volume I, coligidos e ordenad os por Homero Pires, São Paulo, Saraiva & Cia., 1.932, p. 153.

7 “Verba de representação”, in RT 591/43, janeiro de 1.985. 8 Vide meu O direito posto e o direito pressuposto, 7ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, 2.008, p. 239.