("FUMUS BONI JÚRIS")

sexta-feira, 22 de julho de 2011


Permita-me um breve comentário sobre a problemática da violência na adolescência, fenômeno extremamente grave hoje, do ponto de vista social e de saúde pública.


Procura-se mostrar que a "adolescência" como etapa biológica da vida possui, na sua configuração, um peso social fundamental. Não existe adolescência em geral, assim como não há violência em geral.

Tomando como base a classificação da Organização Mundial da Saúde, constata-se que as "causas externas" constituem a primeira causa de morte na faixa etária de 5 a 14 anos (46,5%) e dos jovens de 15 a 29 anos (64,4%), no conjunto das causas de mortalidade desses grupos de idade.

Posto o problema, permito-me dar mais um passo e dizer que esses dados estarrecedores ainda não revelam com toda a crueza as contradições e conflitos que os permeiam. Como costuma acontecer com dados aglomerados, esses não nos permitem saber: quem está morrendo, quem está ficando inválido e doente pelas "causas externas"? Como isso está ocorrendo? O "onde" está relativamente descrito. Ou seja, embora no campo a violência das relações de poder, de propriedade e de sobrevivência esteja ceifando muitas vidas de crianças e jovens, é nas cidades, particularmente nas grandes metrópoles, que a morbi-mortalidade por causas externas se constitui no problema no 1 de Saúde Pública para a adolescência.

Dando ênfase aos homicídios de adolescentes afirmao que a vítima preferencial desse quadro de violência é o jovem não-branco, pobre, sexo masculino, idade média 15-18 anos, residente nas periferias ou favelas urbanas, assassinado, geralmente, por projétil de arma de fogo e denominado "marginal" nos registros policiais.

Para conseguir esse perfil e começar a analisar com mais profundidade os dados estatísticos, foi necessário fugir do convencional e buscar noutra literatura (que hoje está crescendo no país) a chave do problema. Os dados estão no Dossiê do Menor realizado para a Defense for Children International, órgão das Nações Unidas com sede em Genebra, que contém uma investigação extra-oficial sobre o extermínio dos meninos de rua no período de janeiro de 1987 a julho de 1988 nos municípios da Baixada Fluminense (Nova Iguaçu, Caxias, Nilópolis e São João de Meriti) e Volta Redonda, com dados fornecidos pela Prefeitura, Institutos Médico-Legais e delegacias de polícia. Esses dados estão também na coletânea organizada pelo Ceap (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas) que reúne informações e análises relativas ao extermínio de crianças e jovens nas principais regiões metropolitanas do país. Encontram-se, ainda, na pesquisa do Ibase (Instituto Brasileiro de Pesquisas Sociais e Econômicas) Crianças e Adolescentes no Brasil: A Vida Silenciada, que analisa e compara os dados de mortalidade nesse grupo social através de informes dos Institutos Médico-Legais, Imprensa e Ministério da Saúde, para 16 regiões do Brasil. O recente livro-denúncia, uma verdadeira "etnografia" do sofrimento das crianças e jovens brasileiros A Guerra dos Meninos coroa um grito da minoritária consciência nacional sobre o processo crescente e galopante do "necrose" da sociedade que está se suicidando na morte dolorosa e impune da juventude pobre do país.

Ao evidenciar aqui esses dados, minha intenção não é desconhecer o quadro geral das causas externas, sobretudo os acidentes de veículos automotores que ceifam impiedosamente as vidas de nossas crianças e jovens. Estão pouco estudadas as especificidades dos grupos sociais vitimados pela brutalidade nas relações sociais que se expressam de forma violenta no trânsito. Sabemos que as maiores vítimas são pedestres , em segundo lugar vêm os passageiros e em terceiro, os motoristas. Isso nos induz a pensar que são também os adolescentes pobres os principais danificados. Prefiro, porém, voltar aos dados de homicídios, pela consciência de que aí hoje se expressa um dos problemas sociais mais profundos da sociedade brasileira: desfecho desesperado da cronificação da desigualdade e da exclusão.

Quem são esses adolescentes? Assim descreve fenomenologicamente o grande médico-pediatra-educador, Lauro Monteiro Filho:

A população já conhece (e desconhece) estes meninos. Estão em todos os bairros, andam andrajosos, em bando. Praticam pequenos furtos, pedem, vendem frutas e balas e se oferecem para passar flanela nos vidros dos carros e nos sapatos. No seu dia-a-dia são explorados por marginais desocupados (e por policiais: acréscimo nosso). Dormem aglomerados uns aos outros, junto a respiradouros de transformadores de luz e metrô ou em qualquer lugar que possam encontrar para fugir do frio e da violência da noite. Comem o que conseguem. Urinam e evacuam onde podem. As pessoas os temem, os desprezam e os ignoram. Alguns vivem longe de suas famílias, há anos. Outros estão nas ruas, obtendo algum ganho para levar para casa (...) Têm em média 14 anos, 80% são do sexo masculino e 80% são negros e pardos. São franzinos — 70% estão abaixo da media brasileira em peso e 60% em altura, 80% têm pais ausentes, desconhecido ou morto. Apesar da desenvoltura em que vivem, muitos chupam dedo (e até chupeta) têm pesadelo e medo de escuro (...) Que adultos estão sendo forjados sob tamanho abandono social, sofrimento físico e emocional? Cada criança dessas é uma demonstração da inoperância do Estado e do egoísmo da Sociedade.



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