("FUMUS BONI JÚRIS")

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

INFIDELIDADE VIRTUAL



INFIDELIDADE VIRTUAL

Influenciada pelos preceitos judaico-cristãos, a comunidade ocidental adotou a monogamia como padrão social, com a finalidade de resguardar e
proteger a célula familiar.
Entendemos por monogamia o costume em que é imposto ao homem ou à mulher de relacionar-se com apenas um parceiro, enquanto se mantiver
vigente o seu casamento, ou qualquer tipo de relacionamento que envolva o desejo sexual.
Nesse passo, a fidelidade que emana da monogamia passa a ser um valor e um dever dentro da sociedade, tanto em questões voltados para o afeto,
como em questões que envolvam a sexualidade.
Uma vez que a monogamia representa um valor social, sua infringência representará a afronta a própria organização social.
A infringência ao dever de fidelidade, em outras palavras, a infidelidade, é uma escolha do parceiro.
O presente trabalho tem como objeto o estudo da ciberinfidelidade, ou seja, da infidelidade praticada por meio de comunicação eletrônica.
A rede mundial de computadores possui um duplo efeito, aproximar as pessoas que estão longe, e em outros casos romper laços de pessoas que
estavam próximas, pelo menos fisicamente, tendo provocado dolorosas separações.
A infidelidade virtual é um instituto moderno, que traz ao ordenamento jurídico, muitas indagações e polêmicas quanto a sua aplicação, haja vista
estar o Direito de Família em constante mudanças de costumes e de entendimentos sobre certos acontecimentos.
A infidelidade virtual caracteriza-se por ser um relacionamento virtual praticado por pessoa comprometida, seja pelo casamento ou pela união estável,
o qual passa a experimentar diferentes experiências afetivas e/ou sexuais com pessoa estranha a relação conjugal ou relação estável.
Salienta-se que no ciberespaço, ainda que não haja contato físico, há um relacionamento de fato entre os indivíduos conectados “on line”.
Em muitos casos pode ser que não ocorra a conjunção carnal convencional, entretanto, o sexo virtual é uma realidade, frise-se que os orgasmos são
verdadeiros, frutos de uma masturbação assistida (podendo ser conjunta ou compartilhada, nestes casos há uma interação entre os participantes.
Interação esta que poderá se apresentar de diversas formas seja pela mera escrita com descrição fática, ou pela utilização de som, imagem, ou
“genital drive”), podendo ser neste caso considerada mais que uma infidelidade virtual, mas sim uma infidelidade emocional, haja vista que a Internet
facilita a auto-revelação e a intimidade é atingida mais rapidamente, pois as pessoas têm liberdade para se abrirem umas às outras, mostrando como
de fato são, ou criando novas personalidades.
A cada dia aumenta o número de pessoas casadas ou que vivem em união estável que já tiveram ou mantêm um relacionamento na Internet,
ressalta-se que a rede mundial de computadores facilita este tipo de conduta, pois cria um clima de permissividade que encoraja as pessoas a se
envolverem virtualmente.
Consoante já fora abordado no capítulo anterior, na Internet é possível que a pessoa mantenha sua identidade no anonimato, e isso faz com que se
sinta mais segura em manter conversas eróticas, perdendo o medo de ser descoberta.
Há, ainda, programas interativos, como o Messenger e salas de bate-papo, os quais permitem conhecer novas pessoas, e com elas manter
conversas em tempo real.
Além disso, os relacionamentos virtuais podem representar uma “válvula de escape” do estresse e dificuldades da vida real.
A infidelidade virtual é caracterizada por qualquer tipo de atividade sexual mediada pelo computador, podendo neste contexto, ser considerada a
visita a “sites” de conteúdos pornográficos, salas de bate-papo, utilização de programas como o Messenger, todos engajados por uma pessoa que
tenha um compromisso já estabelecido.
As causas destas pessoas já comprometidas buscarem um relacionamento na Internet são das mais variadas, destacando-se entre elas, a monotonia
que enfrentam em seus relacionamentos reais, falta de interesse sexual do parceiro ou por desejo de variedade e diversão, incompreensão do
parceiro, fuga da vida real quando falta coragem para promover a separação formal, fuga da relação pouco gratificante que as pessoas vivem.
Para a psicóloga Ana Cristina Silveira Guimarães:
“A realidade das relações virtuais abrange um amplo espectro de possibilidades de relações que vai desde a normalidade à patologia, dependendo
do uso que cada indivíduo faça desta relação, seja um uso narcísico (que pode ser apenas um prolongamento de seu mundo interno), seja um uso
perverso ou uma forma de se evadir da realidade externa ou interna, conforme a subjetividade inerente a cada ser humano”.[13]
Cumpre mencionar que nos relacionamentos virtuais a liberação das fantasias e dos desejos é mais rápida do que na vida concreta, fato este que faz
com estes tipos de relacionamentos sejam baseados muito mais em pensamentos e ficções do que na proximidade física que existe nos
relacionamentos reais.
Conforme observa Marilene Silveira Guimarães:
“Até bem pouco tempo, a fuga inconsciente para o mundo imaginário ficava apenas no terreno da fantasia, no mundo do sonho, único espaço onde
se pode ser verdadeiramente livre, onde se pode ser infiel sem que ninguém descubra, onde a infidelidade fantasiosa jamais é confessada a alguém.
Agora existe a Internet e o espaço virtual permite “estar junto” com outra pessoa, permite revelar sonhos e desejos, realizar fantasias, sem riscos
aparentes.
Na Internet, a figura idealizada do outro não enfrenta o desgaste do convivência. O que se idealiza sempre é melhor do que se tem. No espaço virtual
todos são pessoas especiais que construímos em nossas mentes, a partir dos nossos desejos. O espaço mágico virtual permite que o indivíduo
construa um mundo também mágico, como se estivesse escrevendo o roteiro de um romance.
O internauta pode fraudar dados pessoas como estado civil, raça, profissão, idade, tipo físico. Quanto à personalidade, pode demonstrar no espaço
virtual características diferentes do seu comportamento social real. No entanto, a simulação da personalidade nada mais é do que o exercício de um
papel que o internauta desejaria desempenhar na vida real, mas não consegue. Esta nova realidade tem levado os especialistas a reverem os
conceitos sobre personalidade múltipla.
Na comunicação virtual acontece a construção de “uma realidade de segunda ordem”, uma realidade de simulação, que nos reporta a um “mundo
imaginal”, que é um mundo simbólico, imaterial, uma forma inusitada de estabelecer um vínculo social. Neste mundo, a pessoa pode “fugir” do
cotidiano, comunicando-se com um “outro” sem rosto, sem identidade, que não exige compromisso, bastando clicar um botão para interromper a
comunicação. Este relacionamento pode manter-se no plano imaginal, ou derivar para uma aproximação física.”[14]
No primeiro momento, as pessoas que mantêm um relacionamento erótico-afetivo fantasiam em conjunto, partilham desejos, experiências, sonhos
relacionados com temáticas sexuais, protegidas por um pseudo-anonimato que a Internet oferece.
As partes encontrando um conjunto de afinidades que as aproximam ou atraem, num segundo momento, passam a compartilhar fotos ou utilizar
“software” de voz e “webcam” enquanto perduram os diálogos, tais recursos fazem com que o outro deixe de ser uma figura abstrata, adquirindo tons
de realidade.
Neste sentido é o posicionamento da psicóloga Rosana Ferrari:
“A Internet apresenta novas possibilidades de relacionamento, permitindo o encontro e a descoberta no anonimato. Quando as pessoas estão
anônimas, comportam-se em geral de forma mais livre e mais despojada de preconceitos e máscaras, podendo fantasiar que são melhores do que
são, e podem despir-se de inibições. Encontrar pessoas pela Internet e relacionar-se “intimamente” com elas traz para dentro de casa uma
possibilidade nunca antes vivida. Para casais que vivem frustrações no casamento a tela e o teclado tornam-se amigos concretos, o computador
passa a ser o aliado. Substituindo-se assim a ameaça do relacionamento real, e ele pode ser vivido sem riscos.
(...) Fidelidade e infidelidade dependem do conceito de cada casal. Para alguns a infidelidade não está em encontrar outra pessoa mas em
apaixonar-s por ela.
(...) A Internet realiza os desejos incompatíveis com a vida cotidiana. Não há compromisso com a verdade. Ela dá vida aos desejos reprimidos. Cria
um mundo Ilusório de facilidades. Mudou o flerte, a palavra se torna poderosa no jogo da sedução.
O romance virtual é uma imitação quase perfeita do romance da vida real. O amante virtual como não tem rosto nem identidade, é virtualmente
perfeito, pois depende da imaginação de cada um. Mas se o relacionamento pela Internet traz menos riscos, a vida real é mais difícil de ser encarada.
Quando surge o desinteresse pelo parceiro, na vida real, é difícil romper. Na Internet, quando surge o desinteresse, é só deletar o parceiro.”[15]
Para o professor e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Rodrigo da Cunha Pereira, “enquanto houver desejo sobre a face da terra
haverá quem burle a lei jurídica para ir ao encontro da Lei do Desejo, nem sempre coincidente com a lei jurídica” [16]
Uma vez que o contato físico muitas vezes inexiste nos relacionamentos virtuais, as pessoas que estão sendo infiéis tendem a imaginar que os
relacionamentos mantidos com terceiros não ensejam infidelidade.
Todavia, apesar da tentativa de quem pratica em minimizar seu ato, aquele que descobre a infidelidade do parceiro, ainda que, “on line”, sofre
demasiadamente, porquanto há a intenção do parceiro em manter um relacionamento erótico secreto.
Para alguns parceiros traídos há uma quebra da promessa de exclusividade, já para outros a manutenção de relacionamentos virtuais auxilia
atividade sexual entre o casal na vida real.
Insta esclarecer que se ambas as partes estão sabendo do relacionamento virtual mantido por um deles, não vêem implicância nisso, tal fato não
configura infidelidade virtual e provavelmente não destruirá a relação.
Diante do até aqui esposado, fica cristalino o fato de que o parceiro comprometido que mantém um relacionamento erótico-afetivo com pessoa
terceira a relação, afronta a moral, aviltando a entidade familiar, contudo, juridicamente há a necessidade de análise profunda quanto sua
repercussão.
Retornarei com os posicionamentos juridicos.

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